Uma das mais fascinantes e desesperadoras características do ser humano é a sua complexidade, e, consequentemente, suas eventuais paradoxalidades. Uma das coisas na minha cabeça que sempre esteve lá, mas começou a me incomodar mais nos últimos meses é justamente uma contradição que parece completamente inconciliável – pelo menos pra mim. Tão inconciliável que não faço ideia se chegarei a algum lugar com esse texto que começo a escrever agora ou se isso será apenas um devaneio em círculos. Bem, como disse Clarice, perder-se também é caminho.
Qual é a contradição? Resumidamente, me render ao meu lado consumidor consumista ou me forçar a olhar criticamente as relações de consumo. Pode parecer uma discussão sem importância ou ultrapassada, mas, garanto, não é.
Não sei exatamente o porquê, mas gosto de colecionar coisas. Livros, que já chegam aos 400 num quarto relativamente pequeno, e continuam a fazer mitose incessantemente; bottons, uns 30 guardados numa gavetinha porque não há bolsa o suficiente para eles; Melissas, que já vendi umas 10, tenho 2 disponíveis para vender/trocar e ainda tenho umas 20 no armário; perfumes, que está modesta por enquanto e pretendo que continue assim; DVDs, que estão chegando perto dos 70 volumes espremidos na minha estante. E não, não estou nem perto de ser rhyca. Depois de um certo tempo, coleções se tornam obsessões. Fui realmente obcecada por Melissas durante um tempo, viciada mesmo, de entrar em vários sites todo dia, querer sempre comprar mais, gastar horas e horas no Facebook em grupos destinados à venda e à troca de Melissas... Gradativamente, fui deixando de lado, e nem sei bem como.
Sei lá, estou sempre me obcecando e me viciando em coisas, não em atitudes. Coisas são mais fáceis. Dão uma ilusão de falsa necessidade preenchida. Como li em algum lugar, trabalhamos a nossa vida inteira para ganhar dinheiro para comprar coisas de que não precisamos para impressionar pessoas de que não gostamos. E é justamente isso que me incomoda tanto nessas coleções – não as de livros e DVDs, obviamente, pois essas de fato acrescentam alguma coisa. Mas o resto parece que é só uma exibição sem propósito. Pensamos que é por que gostamos, mas do que realmente gostamos e o que é só lavagem cerebral imposta para que nós possamos gostar e fazer vender como água? Necessidades são criadas, o que pode ser absurdo, se você parar pra pensar. Ar-condicionado e chuveiro são invenções criadas para resolver necessidades, mas às vezes que algumas necessidades são criadas para justificar invenções (que é o que penso quando vejo todas essas novidades cosméticas por aí).
Vivemos em um mundo completamente controlado pelas relações comerciais. Você é colocado(a) numa escola quando pequeno não para aprender a ser uma criatura pensante. Você é enviado para 20 anos de estudo para fazer uma faculdade e ter um melhor lugar no mercado de trabalho. E o que "ter um melhor lugar no mercado de trabalho" quer dizer? Ganhar mais dinheiro. Não necessariamente fazer o que você gosta, mas necessariamente ganhar mais dinheiro.
Eu gosto de dinheiro. Preciso de dinheiro. Precisamos pagar contas, comprar comida, ir ao cinema, ir ao teatro, pegar ônibus, etc etc etc. Mas tento sempre lembrar que é um absurdo sem tamanho – por mais que isso seja clichê – valorizar mais as coisas, ainda que pequenas, que o dinheiro traz. Não digo que é pra todo mundo parar de gastar com coisas que não sejam essenciais. Mas acho que as relações comerciais deveriam ser postas em segundo plano. Uma coisa que sempre mexeu muito comigo é a questão dos moradores de rua. São seres humanos, pessoas que sentem o que eu sinto, que não têm o que comer, onde tomar banho, onde morar. Não, não é sensacionalismo, moralismo, sentimentalismo nem nenhum outro "ismo". É verdade. É uma pessoa que deveria estar recebendo nossa atenção – e não uma promoção, não a abertura de uma loja, não o BBB, não a Copa.
Estou no meio da leitura de
Brave New World (Admirável Mundo Novo) e uma das coisas que mais me chamou a atenção é que o valor de uma pessoa está diretamente ligado ao seu status social e, consequentemente, ao quão importante você é para a sociedade (os professores, infelizmente, estão aí para provar que toda regra tem uma exceção). É algo tão óbvio e presente que raramente pensamos mais sobre isso: para a nossa sociedade, velada ou desveladamente, um mendigo tem menos valor que um engenheiro – porque o engenheiro está contribuindo para a sociedade e o mendigo não.
Acho que não cheguei a lugar algum, mas tudo bem. Na faculdade aprendi que, muitas vezes, levantar ideias é mais importante que chegar a alguma conclusão. Anyway. Para quem quiser pensar mais sobre isso, recomendo o ensaio
"O elogio ao ócio", do Bertrand Russel, e o poema
"Uivo/Howl", já citado aqui no blog. Há também um vídeo muito legal, já antigo, chamado
"A história das coisas" que vale a pena ver.
Pensar também sempre ajuda ;)