Páginas

sábado, 26 de abril de 2014

O globo de neve

Olhava para o nada do lado de fora da janela, olhava para o tempo surpreendentemente fechado. Desviou seus olhos lentamente das folhas das poucas árvores que balançavam perto dos postes e, cantando uma música em voz fraca - já estava cantando antes? -, olhou a velha garrafa d’água e a máquina de escrever verde, em que nunca conseguira escrever nada. Então olhou os globos de neve. Primeiro, viu o de Veneza. Depois, Paris. Rio. San Diego. Nova York. Rapidamente procurou os outros dois com um sobressalto, como se tivesse os perdido. Aliviada, viu que os dois continuavam onde sempre estiveram. Disney e Madrid.

Não comprara nenhum daqueles bibelôs de que tanto gostava. Foram presentes de amigos e familiares. Viu o Cristo dentro de sua redoma. A torre Eiffel ao lado da Estátua da Liberdade. Uma gôndola e um casal apaixonado. O Mickey vestido de “Aprendiz de Feiticeiro”. Todos lindamente aprisionados em suas cápsulas perpétuas. Sendo afogados pela mesma água parada há anos.

A chuva agora agitava as árvores e cuspia nas janelas. De repente, sentiu-se bem por estar seca e protegida. Com a mesma rapidez, sentiu-se igualmente mal. Queria sentir o vento e queria que a chuva cuspisse na sua cara. Engraçado esse ímpeto, ela não era assim. Mas foi. Nem calçou os chinelos. Foi do jeito que estava. Antes de ir, no entanto, deixou sua mão libertar os jovens apaixonados da prisão de vidro.

A chuva entrando pela janela aberta aumentava a poça em que a gôndola finalmente velejava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário